sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Sempre a cair...

Cheguei ontem a Brasília.

Quando o avião estava a aterrar, dei comigo a pensar: qual é a semelhança entre um avião que se despenha violentamente contra o solo e um avião que aterra suavemente numa pista? Sim, há uma semelhança: é que ambos estão em queda! A diferença é que o primeiro está em queda descontrolada e o segundo em queda controlada.

Na «Gaia Ciência», Nietzsche descreve o niilismo desta forma: «Para onde vamos nós próprios? Não estaremos incessantemente a cair? Para diante, para trás, para o lado, para todos os lados?».

A ideia de queda, nas suas múltiplas dimensões, marca tragicamente a vida do homem. Mas a ideia de queda não é um conceito aplicado só à vida no plano pessoal; é também no plano cósmico. O mito de criação babilónico, por exemplo, apresenta-nos a criação a partir de um quadro de profunda violência e desordem. É o corpo dilacerado da deusa que dá origem ao universo e do seu sangue surgem as constelações. O mito judaico da criação também apresenta a formação dos mundos a partir de um estado de queda: é a criação que surge a partir da vacuidade e do caos disforme.

É um facto: somos habitados – tragicamente habitados – por um conceito de queda. E o facto de sermos seres em constante queda, de estarmos, como dizia Nietzsche, «incessantemente a cair», torna afinal o homem um ser decadente! O segredo, contudo, está em ter uma queda controlada para minimizar os danos e optimizar, afinal, a vida.

Andamos sempre a cair; mas por incrível que pareça, a vida também se forja, também se ergue, também se vive a partir de quedas.

2 comentários:

Paulo Cadeiras disse...

"Ordem depois do caos"
E eu a pensar num prefácio vindo de muito perto...

Anónimo disse...

Sem contar com a terceira via:-O voo picado.