terça-feira, 14 de abril de 2009

Andar por fora

Miguel de Unamuno, que citei no último post, poderá ter lido de Michel de Montaigne o que este dizia acerca de viajar: «Costumo responder, normalmente, a quem me pergunta a razão das minhas viagens: que sei muito bem daquilo que fujo, e não aquilo que procuro».

Esta fuga, esta alienação da viagem foi muito bem apontada pelo nosso grande Eça. Dizia ele: «Por isso, nós, os Portugueses, pessoas infinitamente filosóficas, chamamos ao viajar: andar por fora. Expressão perfeita e profunda. Andar por fora, que melancolia, que desconsolação, quando estar por dentro é que é o interessante!».

Acho que é exactamente isso: a viagem, este «andar por fora», só faz sentido se houver um regresso; caso contrário não é viagem: é uma irreparável desaparição! E o Eça tem razão: andar por fora só faz sentido se servir para nos ajudar a estar por dentro, a voltar para dentro.

Eu explico-me: quantas vezes necessitamos afastar-nos para conseguir uma melhor precepção de dada realidade? Afinal de contas, afastamo-nos para entrar melhor, para perceber melhor essa realidade... E nada, mas mesmo nada, substitui a leitura que se faz de fora pra dentro! É isso; a viagem é importante à medida que nos ajudar a continuar a «estar por dentro».

Apercebido desta dialéctica, tento sempre fazer este esforço, este exercício, em cada viagem que faço: o esforço de tornar a olhar, de fora para dentro, para o meu país. Fazendo isso, percebemos melhor as nossas idiossincrasias, as nossas grandezas, a nossa pequenez, os nossos vícios e virtudes...

E quando regresso de uma viagem, regresso sempre a um país novo, um país que entretanto nasceu em mim enquanto eu andava por fora!

1 comentário:

Anónimo disse...

Acabei de reler a Cidade e as Serras e encontrei esta Pérola:
«-Quem se importaria de ser coxo-se toda a humanidade coxeasse? E quais não seriam os urros e a furiosa revolta do homem envolto na neve e friagem da borrasca de um inverno especial,organizado nos céus, para o envolver a ele unicamente-enquanto em redor toda a humanidade se movesse na luminosa benignidade de uma Primavera?»
EÇA de QUEIRÒS
in a Cidade e a Serras
AG