quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

A RELIGIÃO E OS OUTROS PODERES

A tradição filosófica é muitas vezes elaborada através de oposições, ou pares de opostos que vão sendo instrumentais para a explicação da realidade em dado momento: essência/aparência; um/múltiplo; mesmo/outro, são só alguns dos exemplos.A tradição religiosa também; dos pares de opostos que caracterizam a religião, os mais famosos são religião/política e religião/economia. E no entender de certas tradições religiosas, estes pares de opostos são mesmo antagónicos, antitéticos, irreconciliáveis.

«Assim como está longe o Oriente do Ocidente», assim também o islão está longe do cristianismo no que a estes pares de opostos diz respeito. São os cristãos (mais os protestantes que os católicos) que sentem a necessidade de afirmar que a Igreja está separada dos poderes terrenos (e digo mais os protestantes que os católicos porque o catolicismo não pode fingir que não tem uma estratégia de poder: a existência de um poder instituído como o Vaticano, em que o Papa se faz ouvir simultaneamente na condição de chefe de uma Igreja espiritual e chefe de um Estado político, é disso um exemplo. Já aos protestantes falta uma estratégia de integração dos poderes à medida que foram abandonando o modelo calvinista e zwingliano de Igreja.).

Contrariamente ao cristianismo, o islão assume que a vida e os sistemas de poder que a compõem não estão separados; são uma e a mesma coisa. Modelo, aliás, já praticado muito antes pela tradição judaica, em que os poderes espiritual e terreno convergem e se integram, não se separam.

Esta simbiose entre os poderes por parte do islão – religião, política e negócios – é muito bem vivida por sua Alteza o Aga Khan. E faz o pleno: é líder espiritual dos ismailis (uma facção dissidente do islão xiita), é um político influente em certos círculos e ainda um empresário que, apesar de muçulmano, facilmente se confunde com um capitalista multimilionário ocidental. De acordo com o Herald Tribune, «parte da fortuna deste homem, que figura entre os mais ricos do planeta, vem de um estonteante complexo sistema de contribuições que alguns dos 15 milhões de ismailis, espalhados pelo mundo, lhe entregam anualmente – um montante que ele não revela mas que pode rondar as centenas de milhões de dólares anualmente».

Com residência em Paris, é a partir da capitalista Suiça que o Aga Khan vai desenvolvendo projectos humanitários através das suas múltiplas organizações, tentando assim aliviar a miséria do povo que o tem por líder espiritual.É a cultura económica, política e religiosa do Ocidente que permite, afinal de contas, a um muçulmano genial encontrar aqui o ambiente propício ao desenvolvimento dos seus sonhos e à multiplicação da sua fortuna.

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