quinta-feira, 7 de agosto de 2008

O pai de todos os pecados



A fórmula é simples e simplista: todos somos pecadores porque herdamos, de Adão, o pecado original. Que ideia peregrina! Não me lembro de ter lido que Jesus de Nazaré tenha ensinado tal coisa nem de a ver escrita na Bíblia que Ele lia…

Foi Agostinho de Hipona que chegou à fórmula perfeita: o pecado é herdado e a culpa é do sexo. E teorizou o que a seguir a Igreja dogmatizou: o pecado original, que se transmite por via sexual, faz de nós pecadores congénitos. A mortificação do corpo e a diabolização que o cristianismo faz do acto sexual vem exactamente daí: a sua famosa tese «Inter faeces et urinam nascimur» (nascemos por entre as fezes e a urina) é reveladora do pessimismo antropológico que atormentava Agostinho (mais tarde falaremos de outras angústias agostinianas…)

Quem não gostou desta história foi Flória Emília, que viveu doze anos com Agostinho e do qual teve um filho. Numa carta intitulada Vita Brevis, escreveu-lhe: «És tu que insistes em escrever sobre “concupiscência” quando tens em mente as delícias do amor». E continua: «Algumas partes do corpo humano são menos dignas de Deus do que outras? Teu dedo médio, por acaso, é mais neutro que tua língua? Mas também o usavas!».

Este maniqueísmo (Agostinho foi maniqueísta durante nove anos) misturado com uma influência gnóstica e estóica sobrepôs-se ao evangelho de Jesus e pariu a enormidade da doutrina do pecado original! Seria bom revisitar o pensamento de Pelágio e corrigir esta balança de pensamentos.

Quando vejo a pureza de um recém-nascido, quando vejo o sorriso limpo de um bebé, quando percebo a inocência de uma criança, não vejo pecado original. Vejo antes a imagem inextinguível da pureza de Deus dada a cada um dos Seus filhos.

Quando vejo os nossos jovens, que se mobilizam apaixonada e intensamente em lutas e causas e se revoltam perante a sobrevivência miserável causada pela falência dos nossos sistemas económicos, políticos e ideológicos, não vejo pecado original: vejo antes a imagem indelével da justeza de Deus no coração bom do homem, a imagem daquele que faz nascer em nós «fome e sede de justiça».

Quando vejo homens e mulheres que se vão desprendendo de si próprios em actos de generosidade e inigualável bondade, que se superam em múltiplas descobertas e invenções que fazem o mundo avançar, que praticam actos heróicos de nobreza inexcedível, não vejo pecado original: vejo a imagem indestrutível da bondade de Deus na alma do meu irmão.

Não sei se era Rousseau que estava certo ou se era Hobbes que tinha razão. Mas parece-me que o homem, apesar de ambíguo, incoerente e cheio de contradições, capaz dos maiores disparates mas também do mais sentido arrependimento, esse Homem imperfeito porque incompleto, continua a ter e a ser a imagem de Deus na terra.

Em vez do pecado original, valorizemos, isso sim, a imagem original – a Imago Dei – impressa em cada Homem e que faz de cada homem e mulher um filho de Deus; sem condições ou condicionalismos!

1 comentário:

Anónimo disse...

É impressionante um pensamento puramente humano, nasce em uma pessoa e torna-se quase que como uma verdade absoluta para muitos. A ideia do "Pecado Original" tão bem difundida por Augustinho, e o que é pior, tão bem aceita por muitos dos cristãos, que nem sequer conhece sua história de vida mais o citam como sê fosse o melhor exemplo a ser seguido. Deus nos livre da ignorância...