terça-feira, 17 de junho de 2008

Senhor, falta cumprir-se Portugal.


Será mais patriota que eu aquele português que ostenta, nestes dias, a bandeirinha na janela de sua casa e grita histericamente pela selecção portuguesa de futebol?

Esse cidadão é, de facto, adepto do país, ou será antes e só, adepto do futebol? E que fique claro que, assim como ser português não implica necessariamente ser amante do fado ou devoto de Fátima, do mesmo modo ser português também não significa ser necessariamente adepto de futebol nem apoiante da selecção. A trilogia fado, futebol e Fátima, já era...

O futebol – com tantas guerras jurídicas entre clubes, com tantos arranjos entre dirigentes e árbitros para falsear a verdade desportiva, com tantos processos-crime por corrupção, com tantas alegadas ramificações mafiosas ao mundo da política, com a alegada promiscuidade moral que leva árbitros a receberem prostitutas de graça como prémio de vitórias falseadas… – é tudo isso. Tudo isso é futebol; mas recuso-me a aceitar que tudo isso seja Portugal. Não quero que Portugal seja isso.

A lixeira em que o futebol português se tornou não representa Portugal. Mais: envergonha Portugal e os portugueses.

O futebol está desacreditado, está falsificado, está falido! O futebol não conseguiu – e nunca conseguirá – fazer a grande síntese: levar o amor pelo futebol a transformar-se no amor pelo país! Um apoiante da selecção não é, necessariamente, um apoiante do país. E o que necessitamos, mesmo, é de apoiantes de Portugal; necessitamos amor pelo país em que vivemos e do qual vivemos.

Proponho que se acabe com este apoio irracional, patológico, à selecção de futebol e, em vez disso, comece um verdadeiro movimento de amor por Portugal. Deixemos a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) gerar e gerir os seus milhões (até agora, nesta edição do Euro, a FPF já arrecadou 11,5 milhões de euros para pagar ordenados escandalosos a Scolari) que em nada contribuem para o enriquecimento do país real.

Que empresas de bandeira portuguesa como a Galp, que se associa hipócrita e vergonhosamente ao Euro, ame verdadeiramente Portugal e acabe com o roubo que anda a fazer ao povo português.

Que os trabalhadores, em luta pelos seus direitos, amem verdadeiramente Portugal e parem de roubar a produtividade das empresas, acabando com essa cultura selvagem de boicotes e agressões àqueles que quem quer trabalhar porque têm filhos para alimentar.

Que o governo, que também anda pateticamente de cachecol numa descarada tentativa de penetração social e conquista de votos e popularidade, ame verdadeiramente Portugal e governe também com o coração, para bem de todos.

Que os partidos políticos, obcecados pela bebedeira do poder, amem verdadeiramente Portugal e criem, antes, pactos de regime sérios e criem um clima de concertação estratégica com vista à resolução dos graves problemas que nos fazem adoecer como País.

Que as igrejas amem verdadeiramente Portugal e deixem de funcionar como centros de evasão e alienação, como bunkers de contra-cultura religiosa inútil, irrelevante e se tornem participantes da vida real, aqui e agora.

Que as escolas e as universidades amem verdadeiramente Portugal e se tornem centros de conhecimento interdisciplinar, de vocação verdadeiramente humanista e universal, abertos ao conhecimento e ao mundo e não coutadas de preconceitos ideológicos sombrios, reféns de interesses particulares.

Que os educadores amem verdadeiramente Portugal e não comprometam o nosso futuro, corrompendo as crianças («Grande é a poesia, a bondade e as danças...mas o melhor do mundo são as crianças») infectando-as com o vírus de uma cultura antiga, dogmática, preconceituosa e castradora. Pelo contrário, amemos Portugal acreditando e nutrindo uma geração que curará esta terra.

Que os artistas cantem, pintem, cinzelem, declamem Portugal com todos os seus feitos (e defeitos), mas que o façam com paixão por um país com necessidade de ser amado.

O que nos falta é amar Portugal!

Como dizia Torga,
«Hoje
sei apenas gostar
duma nesga de terra
debruada de mar».

Que os jovens não percam a esperança; que os anciãos não percam a perseverança.

Juntemos o nosso suspiro ao de Pessoa: «Senhor, falta cumprir-se Portugal».

1 comentário:

Anónimo disse...

Mês perigoso o Junho...Começa com o Stª António, vem a Srª de Fátima de seguida o S. joão e por fim o S. Pedro, em 2008 temos ainda a selecção.Se percorremos o País neste mês e contabilizarmos as horas de inércia por causa dos inventos supraciatdos verificariamos que 50% do tempo útil de trabalho durante este periodo foi de descanço. Mas como dizia o ti João da Concertina «Se não houvesse Santos não havia festa...» Este País precisa é de festa.ag